Também sou pai e portanto compreendo.
Vocês querem o melhor para o filho, para a filha.
A melhor escola, os melhores professores, os melhores
colegas.
Vocês querem que filhos e filhas fiquem bem preparados
para a vida. A vida é dura e só sobrevivem os mais aptos.
É preciso ter uma boa educação.
É possível que na sua casa, num lugar de destaque,
em meio às peças de decoração, esteja um exemplar das
Escrituras Sagradas. Via de regra a Bíblia
está lá por superstição. As pessoas acreditam que
Deus vai proteger. Se assim fosse, melhor que seguro
de vida seria levar uma Bíblia sempre no bolso.
Não sei se vocês a lêem. Deveriam. E sugiro um poema sombrio,
triste e verdadeiro do livro de Eclesiastes. O autor, já velho, aconselha
os moços a pensar na velhice. Lembra-te do Criador na tua mocidade, antes que
cheguem os dias das dores e se aproximem os anos dos quais dirás:
"Não tenho mais alegrias..." Antes que se escureça a luz do sol, da lua e
das estrelas e voltem as nuvens depois da chuva... Antes que os guardas
da casa comecem a trem
er e os homens fortes a ficar curvados...
Antes que as mós sejam poucas e pararem de moer... Antes que a escuridão
envolva os que olham pelas janelas... Antes que as pessoas se
levantem com o canto dos pássaros... Antes que cessem todas as canções...
Então se terá medo das
alturas e se terá medo de andar nos caminhos planos... Quando a amendoeira
florescer com suas flores brancas, quando um simples gafanhoto
ficar pesado e as alcaparras não tiverem mais gosto... Antes que se
rompa o fio de prata e se despedace a taça de ouro e se quebre o cântaro junto à
fonte e se parta
a roldana do poço e o pó volte à terra... Brumas, brumas, tudo são brumas...
(Eclesiastes 12: 1-8)
Os semitas eram poetas. Escreviam por meio de metáforas.
Metáfora é
uma palavra que sugere uma outra. Tudo o que está escrito nesse
poema se refere a você, a mim, a todos. Antes que se escureça a luz do sol...
Sim, chegará o momento em que os seus olhos não verão como viam na mocidade.
Os seus braços ficarão fracos e tremerão no seu corpo curvo. As
mós - seus dentes - não mais moerão por serem poucos. E a cama pela manhã,
tão gostosa no tempo da mocidade, ficará incômoda. Você se levantará tão cedo
quanto os pássaros e terá medo de andar por não ver direito o caminho. É preciso ser
prudente porque os velhos caem com facilidade por causa de suas pernas
bambas e podem quebrar a cabeça do fêmur. Pode até ser que você venha a
precisar de uma bengala. Por acaso os moinhos pararão de moer? Não,
os moinhos não param de moer. Mas você parará de ouvir. Você está surdo.
Seu mundo ficará cada vez mais silencioso. E conversar ficará penoso.
Você verá que todos estão rindo. Alguém disse uma coisa engraçada. Mas
você não ouviu. Você rirá, não por ter achado graça, mas para que os outros
não percebam que você está surdo. Você imaginou uma velhice gostosa
E até comprou um sítio com piscina e árvores. Ah! Que coisa boa, os netos todos
reunidos no
"Sítio do Vovô", nos fins de semana! Esqueça. Os interesses dos tos são outros.
Eles não gostam
de conviver com deficientes. Eles não aprenderam a conviver com deficientes.
Poderiam ter aprendido na escola mas não aprenderam porque
houve pais que protestaram contra a presença dos deficientes.
A primeira tarefa da educação é ensinar as crianças a serem elas mesmas.
Isso é extremamente difícil. Fernando Pessoa diz: Sou o intervalo entre o
meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim.
Frequentemente as escolas esmagam os desejos das crianças com os desejos dos outros
que lhes são impostos. O programa da escola, aquela série de saberes que as professoras
tentam ensinar, representa os desejos de um outro, que não a criança. Talvez um
burocrata que
pouco entende dos desejos das crianças. É preciso que as escolas ensinem
as crianças
a tomar consciência dos seus sonhos!
A segunda tarefa da educação é ensinar a conviver. A vida é convivência com
uma fantástica variedade de seres, seres humanos, velhos, adultos,
crianças, das mais variadas raças, das mais variadas culturas, das mais
variadas línguas, animais,
plantas, estrelas... Conviver é viver bem em meio a essa diversidade. E parte dessa diversidade são
as pessoas portadores de alguma deficiência ou diferença. Elas fazem parte do nosso mundo.
Elas têm o direito de estar aqui. Elas têm direito à felicidade. Sugiro que vocês leiam um livrinho
que escrevi para crianças, faz muito tempo: Como nasceu a alegria. É sobre uma flor num
jardim de flores maravilhosas que, ao desabrochar, teve uma de suas pétalas cortada por um espinho
. Se o seu filho ou sua filha não aprender a conviver com a diferença, com os portadores
de deficiência, e a ser seus companheiros e amigos, garanto-lhes: eles serão
pessoas empobrecidas e vazias de sentimentos nobres. Assim,
de que vale passar no vestibular?
Li, numa cartilha de curso primário, a seguinte estória:
Viviam juntos o pai, a mãe, um filho de 5 anos, e o avô, velhinho, vista curta, mãos trêmulas.
Às refeições, por causa de suas mãos fracas e trêmulas, ele começou a deixar
cair peças de porcelana
em que a comida era servida. A mãe ficou muito aborrecida com isso, porque ela gostava
muito do seu jogo de porcelana. Assim, discretamente, disse ao marido: Seu pai não está mais
em condições de usar pratos de porcelana. Veja quantos ele já quebrou! Isso precisa parar...
O marido, triste com a condição do seu pai mas, ao mesmo tempo, sem desejar contrariar a mulher,
resolveu tomar uma providência que resolveria a situação. Foi a uma feira
de artesanato e comprou
uma gamela de madeira e talheres de bambu para substituir a porcelana.
Na primeira refeição
em que o avô comeu na gamela de madeira com garfo e colher
da bambu o netinho estranhou.
O pai explicou e o menino se calou. A partir desse dia ele começou
a manifestar um interesse por
artesanato que não tinha antes. Passava o dia tentando fazer um buraco no meio de
uma peça de
madeira com um martelo e um formão. O pai, entusiasmado com a revelação da
vocação artística
do filho, lhe perguntou: O que é que você está fazendo, filhinho? O menino, sem
tirar os olhos
da madeira, respondeu: Estou fazendo uma gamela para quando você ficar velho...